19 jun 2020
Leia íntegra do artigo publicado pelo Jornal A Tarde na coluna Opinião pág. A3, assinado pelo procurador do município de Salvador, Rafael Carrera nesta sexta, 19/06/2020.
A DESESCALADA JURÍDICA
A desescalada da pandemia é uma expressão empregada para retratar o movimento de retorno gradual ao ambiente mais próximo do cotidiano que tínhamos antes do novo coronavírus. A necessidade da adoção de medidas de enfrentamento à COVID-19 impactou em vários setores da sociedade, inclusive, na área jurídica.
A considerar que, ao longo destes três meses, foi criado um arcabouço jurídico para fazer frente à pandemia, é razoável supor que, aos poucos, presenciaremos uma desescalada jurídica. No âmbito do Direito do Estado, esta coincidiria com uma menor intervenção nas liberdades individuais e mais limites para a atuação das entidades federadas: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Com vistas a enfrentar o novo coronavírus e mais bem equipar o sistema de saúde, os entes subnacionais, com a chancela do Supremo Tribunal Federal, veicularam, por decreto, medidas restritivas às liberdades de pessoas físicas e jurídicas. A Cidade do Salvador, a partir do dia 14 de março, promoveu a interdição de praias, mercados públicos, academias em condomínios, a suspensão das aulas, do funcionamento de shoppings e de alvarás para obras e/ou reformas em imóveis habitados, dentre outras. Além disso, a União afrouxou regras para a contratação de serviços e bens por dispensa, ou seja, sem licitação, admitindo, ainda, que fossem promovidas requisições dos mesmos.
Valendo-se dessa autorização legal, o Estado da Bahia requisitou o Hospital Espanhol, e o Município do Salvador, o Wet´n Wild. Ambas as estruturas se transformaram em hospitais de campanha.
A desescalada jurídica não se trata de um recuo para fazer valer um Direito que teria sido revogado para dar lugar a outro. O ordenamento jurídico precisou acomodar-se diante da força maior provocada pela pandemia. Diante do fato superveniente de grandes impactos sobre a saúde pública, foi criado um Direito circunstancial, que pudesse dar conta de demandas imediatas na defesa de um valor fundamental que é a vida.
Ainda é cedo para dizer que lições desse tempo ficarão para o Direito que brotará pós-pandemia. Parece, contudo, que a primazia do interesse público frente ao interesse privado recuperará, em parte, sua força, bem como a forma federativa de Estado.
Por isso, é importante reunir os acontecimentos deste período, como vem fazendo a Procuradoria Geral do Município do Salvador e a Associação dos Procuradores, com os projetos do podcast “MOMENTOS” e do Boletim Informativo COVID-19, ambos disponíveis nos sites institucionais. Só, assim, de forma precavida, poder-se-á predizer, com alguma base, o que pode estar no porvir.
E você, vem fazendo o seu inventário da pandemia?
*Rafael Carrera é advogado /procurador do Município do Salvador/BA, doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social pela UCSAL e mestre em Direito Público pela UFBA